Oi oi oi, tudo bem? Fiquei em dúvida se mandava este e-mail no feriado. Como não combinamos ainda o que fazer em datas como essa, resolvi manter. Me conta se você leu na segunda mesmo ou se só foi olhar seus e-mails depois.
Duas semanas atrás, comentei aqui que a correria estava me impedindo de praticar alguns passatempos, e minha amiga Mayra perguntou quais passatempos eram esses. Não tenho nenhum hobby muito curioso, a maior parte da minha distração é com as coisas que eu tenho contado aqui. Ouvir música, ler, visitar exposições e encontrar amigos para bater papo (esses últimos retomando agora aos poucos). Aí tem uma variação que é acompanhar mais de perto a carreira de alguns artistas, o que antigamente se chamava de fã-clube e com a internet se tornou uma coisa menos regimentada. Tem algum artista de que você é assim fã de carteirinha?
Quem eu mais acompanho, que acho que posso considerar um passatempo mesmo, é o Radiohead, já faz uns 18 anos que me considero fã da banda. Já conhecia e gostava de algumas músicas, mas foi na época do lançamento do disco Hail to the Thief (2003) que me interessei em conhecer melhor a carreira deles. Ainda antes do Orkut virar o centro da internet brasileira, fui interagir com outros fãs em fóruns e grupos de discussão no modelo pré-redes sociais. Desde então tive a oportunidade de vê-los tocar aqui no Brasil nas duas vezes que vieram, gastei dinheiro com discos e outros produtos deles, aprendi um bocado sobre inglês e cultura geral para entender pontos específicos de suas letras e fiz grandes amizades com gente que meu primeiro contato foi para falar sobre a banda.
Pois bem, todo este preâmbulo para dizer que posso falar de forma um pouco inflamada sobre o assunto de hoje, o novo álbum do Radiohead: Kid Amnesiae.
Em comemoração pelos 20 anos dos álbuns Kid A (2000) e Amnesiac (2001), estão relançando os dois em um pacotão especial, acompanhado de um terceiro disco com músicas inéditas e versões alternativas de faixas dos aniversariantes. E não é exagero de fã tratar esse disco extra como um novo álbum em vez de considerá-lo apenas como faixas bônus, a banda que está chamando assim.
Vale resgatar um pouco da história: Em 1997 o Radiohead tinha lançado Ok Computer, feito muito sucesso e excursionado pelo mundo num ritmo de shows e eventos de promoção extenuante, que afetou seriamente alguns integrantes do grupo. Então para o disco seguinte eles deliberadamente procuraram fazer uma obra oposta, praticamente abandonando as guitarras e formatos consagrados do rock e recorrendo ao jazz, à música ambiente e à eletrônica, se permitindo experimentalismos que até então só arranhavam.
O exemplo mais claro dessas escolhas é “Like spinning plates” uma faixa literalmente lançada com a gravação de trás para frente. E é justamente uma versão alternativa dessa música que abre o disco novo, começando com os ruídos invertidos e dando espaço a um piano de acordes cristalinos, que no fim é acompanhado de harmonizações vocais que não constam na versão de 2001.
“Enquanto você faz lindos discursos
eu sou triturado
Você me dá de comer aos leões
um equilíbrio delicado
É como equilibrar pratos
estou vivendo num faz-de-conta”
Outro exemplo é “True love waits”. Apresentada em 95 pela primeira vez como uma balada ao violão, essa música virou uma espécie de prêmio para coroar shows muito especiais, num acordo tácito entre os fãs e a banda. Enquanto era tocada ao vivo cada vez mais raramente, a canção apanhou no estúdio por décadas e acabou sendo registrada oficialmente apenas em 2016. Em Kid Amnesiae, entretanto, temos acesso ao tratamento que ela teve nas sessões que originaram os álbuns de 2000 e 2001. Compare a versão de base (de um registro ao vivo), a versão que construíram em estúdio revelada agora, e o que acabaram lançando no Amnesiac. Se ouvir um minutinho de cada uma já dá pra entender a história.
Como fã, eu acho uma delícia ver essas possibilidades abandonadas pelo caminho e imaginar o que poderia ter sido diferente se as prioridades da banda fossem outras. Para alguns isso acaba gerando também frustração, porque depois de conhecer as músicas em suas versões mais cruas, ficam imaginando arranjos diferentes nas próprias cabeças e inevitavelmente se decepcionam com o que vira realidade. Aconteceu com “Follow me around”, outra queridinha dos shows que, depois de décadas de espera, acabou sendo oficializada em um registro que também é basicamente a voz e violão que já era apresentada ao vivo ao longo dos anos.
Talvez seja sim um certo exagero considerar o material de Kid Amnesiae como um álbum completo. Ele tem menos canções que um disco tradicional e quase nenhuma é realmente inédita para quem é bitolado na obra da banda como eu. Mas é lindo. O final é uma sequência de faixas instrumentais, culminando no arranjo para orquestra de cordas retirado de “How to disappear completely”, faixa do Kid A. É a pontuação perfeita para um grupo que não sente mais necessidade de esconder a beleza que consegue produzir. Mais maduro, o Radiohead faz as pazes com a própria obra.
Quem também lançou um discaço recentemente foi o Ney Matogrosso. Nu com a Minha Música é, segundo Ney, a forma que encontrou de comemorar seus 80 carnavais enquanto não podia fazer shows por conta da pandemia. Além da faixa título (Caetano Veloso), traz composições de Roberto Carlos, Raul Seixas, Herbert Viana, Lenine, Pedro Luís e outros tantos. Se ainda for pouco para você, digo apenas que tem também a interpretação de Ney para “Espumas ao vento” (Accioly Neto).
Para a divulgação do álbum foi feito também um vídeo de making of, com entrevistas do próprio Ney e dos produtores, além de clipes do processo de gravação. Em dado momento, um deles pergunta em tom de brincadeira: “Será que tem problema se ficar bonito demais?”. Parece que não, Ney já passou da idade de se preocupar com isso.
Meu texto da semana passada suscitou discussões interessantes. A Malu disse que já tinha começado a ler Sobre os Ossos dos Mortos e até abandonou no meio, por não ter aguentado a protagonista que eu tanto elogiei. Já a Maitê disse que leu, mas que foi uma experiência bem ruim. Ela comentou também que soube que o livro foi escrito de forma um pouco displicente pela autora, já que sua publicação se tratava de um compromisso contratual entra Tokarczuk e sua editora.
Não vou negar minha surpresa com a experiência delas, já que a minha foi ótima e tinha recebido boas recomendações do livro, dos meus amigos Flávio e Renato, por exemplo. Mas no fundo é reconfortante saber dessas diferentes leituras, porque prova que ninguém é obrigado a gostar de nada, mesmo que seja Nobel ou o que for. Pra mim é especialmente bom relembrar disso, porque no momento estou no meio de uma leitura complicada de um outro autor consagrado. Semana que vem eu conto mais. Até lá!