Tem coisa que a gente deduz no automático, né? Vira e mexe alguém me recomenda alguma série ou filme e destaca a facilidade de assistir, porque “tem na Netflix”, de modo que qualquer um pode ver. Eu cancelei a minha assinatura da Netflix faz alguns meses porque achava muito caro pagar quarenta e tantos reais mensais por um serviço que eu usava muito raramente (muito mesmo, às vezes ficava vários meses sem nem abrir o app). Nunca reagi a uma recomendação dessas dizendo que não assino mais a Netflix, porque me dá uma certa vergonha de ter pensado em economizar esse dinheiro, sabe? Eu conseguiria continuar pagando e até acho esperto de minha parte ter percebido que era um dinheiro mal gasto. Mesmo assim, quando alguém fala de alguma coisa de lá, sinto um pouco que estou errado de não ter mais o acesso.
Em contrapartida, descobri que por ter internet da Vivo aqui em casa eu tenho direito ao Paramount+, e essa semana instalei para ver se tinha algo interessante. Encontrei uma série do Comedy Central que eu tinha visto as duas primeiras temporadas e depois desistido de ver por preguiça de ficar fazendo downloads, e que agora poderia finalmente retomar. Mais do que isso, resolvi rever do começo, porque não lembrava grandes coisas do enredo, só que eu achava bem divertida. Tem cinco temporadas e já acabou há alguns anos, mas como não tenho compromisso com a novidade, vim falar de Broad City.
É um formato bem tradicional, de jovens mulheres levando a vida em Nova Iorque. Mais ou menos como Girls ou Sex and the City, só que com muito mais perrengues, um humor mais escrachado e, resumindo, bem mais legal. As situações inusitadas estreladas pelas duas protagonistas, Abbi e Ilana, sempre tem menos a ver com impulsos românticos e mais com a necessidade prática de descolar um dinheiro para alguma coisa. Em certo momento, um sujeito que estava saindo com a Abbi termina o encontro deles do nada, depois da sugestão dela de irem tomar um trem numa estação que ele considera ultrajante.
Outro dia estava comentando com uma amiga sobre um clipe da Kali Uchis e falávamos de como a gente tende a ter mais simpatia por artistas que não foram muito bem nascidos - Isso em contraposição a certas bandas que tem feito sucesso ultimamente, mas não vem ao caso - Naturalmente a formação da pessoa influencia sua estética e parte da identificação também vem daí, pela coisa do pertencimento que está até no que não é dito explicitamente nas obras. Eu não conheço e não fui atrás de saber as origens familiares de Ilana Glazer e Abbi Jacobson, as autoras xarás das personagens que interpretam, e por enquanto me contento com a sensação de camaradagem que os sufocos que elas escrevem me passam.
(o fio vai bem além desses dois tuítes, clique aí para ler mais)
Semana passada visitei a Feira ArPa, evento que reuniu diversas galerias expondo dentro do estádio do Pacaembu. Eu sabia que estava indo de curioso, que comprar obra de arte em galeria não é pro meu bico e que meu programa seria ver as obras expostas lá como se estivesse visitando um museu. Essa consciência não impediu um certo choque de realidade às avessas, como se presenciasse algo muito distante do mundo real. Entre ouvir de soslaio alguns preços de obras (cinco, vinte, cento e cinquenta mil reais), passar por um quiosque móvel da Chandon e notar que a maioria das pessoas era reconhecida quando chegava ao estande de cada galeria, percebi que estava com os braços mais colados ao corpo do que é meu modo de andar natural, me precavendo de esbarrar em alguma coisa.
Me permito a digressão para dizer que em Broad City as meninas também vivenciam esse deslocamento quando dão um jeito de entrar em eventos de rico. Numa cena, ao aceitarem um petisco em uma festa pretensamente beneficente, o garçom diz, enquanto elas mastigam, que naquele momento há não sei quantas mil crianças passando fome do mundo. Elas se servem outra vez e ele fica em dúvida se deve fazer de novo a contagem de crianças, já que elas foram as primeiras convidadas a repetir. Enquanto Ilana trabalha de representante comercial em um serviço tipo groupon e faz bicos diversos como passear com cachorros, Abbi é faxineira em uma academia de musculação, mas tem o sonho de, um dia, vender suas aquarelas em galerias.
Enquanto pensava nesse tema de coisas de rico e coisas de pobre para te recomendar Broad City - e antes disso, enquanto andava pelos corredores montados no Pacaembu - ouvia insistentemente na minha cabeça os versos que a Liniker canta no disco novo do Criolo, Sobre Viver. A canção se chama “Pequenina” e é muito sentida, tratando com compreensível amargura sobre algumas coisas de que falei aqui, e outras tantas.
“Eu vou ganhar dinheiro, mãe
porque é só assim que eles respeitam a gente.”