Já confessei algumas vezes por aqui que fiz esse canal para ser um exercício de leitura e escrita. Às vezes acho essa ideia meio ridícula, como se fosse descabido precisar de motivo para praticar coisas que gosto, mas ter essa barra de apoio nos momentos em que tenho mais dificuldade em manter os hábitos ativos acaba me ajudando, e tem horas que toda ajuda é bem-vinda, não é mesmo?
Tenho passado por umas semanas complicadas, que parecem demorar demais e passarem muito rápido ao mesmo tempo, e nessas acabo perdendo a concentração para a leitura e deixo essa newsletter de lado. Buscando algum tema para trabalhar em um texto, pensei em partir pro modelo confessional do diário. Por sorte, a simples lembrança da palavra me levou a uma canção do Chico Buarque, então te poupo de ler diretamente sobre mim.
“Querido Diário” é a faixa que abre o álbum Chico, de 2011. Tecnicamente sua estrutura é bastante simples, são cinco estrofes de quatro versos cada, rimas em esquema ABAB e nenhum tipo de refrão ou interlúdio entre uma e outra. O que me encanta na letra é como ela constrói um personagem complexo e contraditório em um espaço tão curto e direto. Logo nos dois primeiros blocos, que servem mais ou menos para delimitar o cenário, vemos alguém que, apesar de conviver com amigos carinhosos, é reconhecido por sua solidão, e que, cercado por um ambiente pulsante, fica resignado em seu desconforto particular.
“Hoje topei com alguns conhecidos meus
Me dão bom-dia, cheios de carinho
Dizem para eu ter muita luz, ficar com Deus
Eles têm pena de eu viver sozinhoHoje a cidade acordou toda em contramão
Homens com raiva, buzinas, sirenes, estardalhaço
De volta a casa, na rua recolhi um cão
Que de hora em hora me arranca um pedaço”
Estar só em meio à multidão e estar vazio apesar de transbordar são ideias exploradas fartamente na poesia, não por acaso. Acho que - e também isso é contraditório - esse sentimento de inadequação e deslocamento é de certa maneira universal. Todos buscamos recursos variados para nos livrar disso e é por aí que segue a letra de Chico nas quadras seguintes.
Em um momento, a alternativa religiosa se choca com a mentalidade prática de saber o que há por baixo da roupa da virgem; em seguida, o amor é retratado como um discurso autoindulgente para disfarçar a violência.
“Hoje pensei em ter religião
De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício
Por uma estátua ter adoração
Amar uma mulher sem orifícioHoje afinal conheci o amor
E era o amor uma obscura trama
Não bato nela nem com uma flor
Mas se ela chora, desejo me inflama”
A quinta e última estrofe traz o clímax narrativo, por assim dizer. Em contraposição aos versos anteriores, que apresentavam figuras de amigos, animal de estimação e amor, agora surge um “inimigo”. Eu, por ser muito covarde, insignificante ou amável, gosto de pensar que não tenho ninguém para considerar inimigo, e o narrador dessa letra também me parece bastante inofensivo para ter um antagonista de carne e osso.
Dessa forma, vejo que o inimigo pode ser qualquer coisa dentro da nossa cabeça, como as contradições sinalizadas nas estrofes anteriores ou a vontade de nunca mais escrever uma palavra sequer. Me lembro do pessoal da igreja usando “inimigo” como eufemismo para o demônio. A tensão, entretanto, se resolve em outra volta que Chico dá em nós, ouvintes, ao reservar para as últimas linhas o único momento otimista da letra.
“Hoje o inimigo veio me espreitar
Armou tocaia lá na curva do rio
Trouxe um porrete a mó de me quebrar
Mas eu não quebro porque sou macio, viu”
Viu?
Sim, a gente escreve (ou expressa de qualquer outra forma) para encontrar outras pessoas com as nossas mesmas estranhezas. Sempre encontramos. Por sinal, ås vezes me pego num lugar de dificuldade de escrever, outro dia, achei que ja tinha escrito todos os textos da minha newsletter e chegado ao fim, como se fosse um livro. Na semana seguinte, voltei. Espero que fique tudo bem por aí e que voce sempre volte å escrita também.
me deixou pensando em inimigo como eufemismo para demônio versus demônio como eufemismo para inimigo
não consigo mais ler
não li nenhum livro esse ano, não consigo ler todos os parágrafos de um texto, ano passado em q li 10 livros isso tinha me desesperado, agora nem sei mais
hj já desisti de responder a 2 postagens pq não consegui elaborar, escrevi, apaguei várias vezes e deixei pra lá
(ser curtinha me ajuda a te ler, mas principalmente os títulos que me puxam), bj, parabéns