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Mar 1·editado Mar 1Gostado por Rafael Marcon

Oi Rafa, tudo bom?

Eu não gosto muito de me envolver em debates polêmicos, mas o seu olhar sobre o Pobres Criaturas me causou um certo espanto.

Minha primeira reação foi: ‘meu deus, mulheres que gostam de sexo ainda causam esse tipo de desconforto’. Principalmente quando li que a vontade da personagem de fazer sexo era um como um superpoder.

E para esclarecer meu espanto eu vou expor um pouco como eu enxerguei o filme. Pois, embora eu não ache Belas Criaturas o melhor filme do mundo, nem o melhor filme do ano, eu acho que a Bella Baxter merece uma defesa.

A começar com a questão da idade. Ao meu entender, a personagem começa criança e vai amadurecendo. Nesse processo, ela descobre o próprio corpo e o próprio prazer sexual, sem nenhuma pressão ou imposição dos personagens masculinos, através da masturbação. (que ainda hoje é um grande tabu, embora seja a maneira mais natural de uma garota conhecer o próprio corpo).

Como a personagem cresceu isolada da sociedade e dos bons costumes, ela experimenta esse prazer sem nenhuma culpa e nenhuma consequência. (Ainda que o tutor dela tente reprimi-la)

Na minha opinião esse é justamente o ponto dessa personagem. Ela é a observadora neutra, a “antropóloga” ideal, que não tem nenhuma pré-concepção que interfira em sua análise racional do mundo. Por isso ela consegue enxergar absurdos que são naturalizados. (lógico que esse tipo de personagem tem suas limitações, afinal ela foi escrita por alguém inserido na sociedade)

No entanto, essa neutralidade da personagem pode ser confundida no início do filme com uma ingenuidade. E é nesse momento que aparece o personagem do Mark Ruffalo. Esse personagem é retratado sem sombra de dúvida como um vilão, chegando mesmo a ser um personagem raso, sem nenhuma nuance. Ele é egoísta, mal caráter e cruel. Ele não é um personagem para se espelhar, ele não é naturalizado e não é tratado com condescendência. Então, quando ele surge com a intenção de se aproveitar da “pobre criatura”, o filme trata isso explicitamente como uma atitude ruim. Ainda sim, ele não consegue se aproveitar dela.

Bella vai para Lisboa porque ela quer, Mark Ruffalo nunca consegue pressioná-la ou dominá-la psicologicamente e nem fisicamente. Justamente por que ela não é uma garotinha. Ela é um ser extremamente racional criado em laboratório. Quando muito, podemos compará-la com um garoto de quinze, cheio de hormônios, constantemente com o pinto duro. (porque é sempre menos polêmico rapazes cheios de tesão) Ela tem a prepotência de qualquer adolescente que acha que nada de mal pode acontecer, mas escapa das armadilhas da vida por causa da sua racionalidade surreal, e não pelo sexo.

Por ser muito inteligente, Bella nunca é uma vítima. (talvez, com a única exceção, quando ela é enganada para entrar na caixa, mas ela reverte rapidamente sua situação no barco) E isso é uma das coisas que mais me surpreendeu positivamente nesse filme. Ela é uma mulher que faz muito sexo a história inteira e não é punida, nem sofre qualquer tipo de consequência por isso. Dá para contar no dedo de uma mão quantas vezes isso aconteceu na história da literatura/cinema. Ta na hora de deixar as minas fazer sexo sem serem punidas.

Quanto a cena do puteiro, de novo Bella chega com um olhar neutro: ela gosta de transar, ela precisa de dinheiro, portanto esse seria o melhor dos mundos. Mas desde seu primeiro cliente ela percebe que não é bem assim. A primeira transa dela como prostituta não é prazerosa. Os homens no puteiro experimentam o sexo de maneira problematica e até mesmo nociva. Ela tenta modificar isso tentando aproximação emocional e outras estratégias, até que ela desiste, como se os homens não tivessem conserto, e volta para casa.

Logicamente Bella não tem a profundidade e complexidade das personagens da Elena Ferrante (que eu amo) nem da Bernardine Evaristo (que eu amo também). Mas a questão é que Bella nem é uma mulher de “verdade”. Esse ser feminino, hiper racional, sem emoções, não se assemelha em nada com as mulheres que encontramos no nosso dia a dia. Por outro lado os personagens masculinos, ainda que bastante estereotipados, me parecem mais palpáveis. É possível pensar: existem pessoas que são mais ou menos como o Mark Ruffalo, ou como os frequentadores do puteiro.

Então será que Pobres Criaturas não é sobre mulheres, mas sim, um filme sobre homens?

PS: Um breve comentário sobre o trecho do livro que você citou. Eu não li o livro, mas me baseando somente no trecho que você citou, me parece uma narrativa bastante opressiva.

Mas uma vez um homem mais velho, em primeira pessoa, nos narrando e nos definindo pela nossa aparência.

Posso estar errada, mas não me parece um livro que eu vou gostar.

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